9.11.10

Pensando no livro eletrônico

Os livros tradicionais e eu temos uma relação segura. Graças a ela, leio sem medo de dormir, pois, se isso acontece, os livros caem sobre o meu rosto e não me machucam. Caem no chão e não se quebram. Se um dia vier a ter um eletrônico, a relação terá de ser outra, no mínimo nesse chão onde estão situados a leitura e o sono incontrolável.

(ilustração retirada de http://blogdebabel.com.br)


Acrescento: onde serão firmados os autógrafos nos livros eletrônicos? Haverá noites de autógrafo? Por mais práticos que possam ser e, pelo que imagino, são, os livros eletrônicos inibem a proximidade física entre escritor e leitor. Sim, haverá os cafés literários, as leituras públicas, mas os lançamentos de livro reúnem uma plateia distinta, pois ali vão pessoas que nem sempre gostam de livros; vão porque conhecem o escritor, porque, passando pela livraria, resolveram entrar ao ver aquele amontoado de gente tendo à mão cálice de vinho e torrada besuntada de pastinha. É uma chance para ganhar outro leitor. Não necessariamente para aquele escritor em particular, mas para alguns.
A grande vantagem que vejo no livro eletrônico é sua possibilidade de interação imediata. Seja pelo fato de haver um dicionário acoplado a ele, seja pelo  fato de, num clique, poder fazer uma consulta na grande rede (pelo que me falam isso ainda não está amplamente disponível nos existentes no mercado). Isso sim é um salto e tanto. Claro que o leitor ativo está sempre indo aos dicionários e fazendo consultas, na rede ou noutros livros. Mas que facilita ter tudo à mão, facilita. Sabe aquela leitura que se faz na cama? Pois é, quantas vezes não engolimos uma palavra desconhecida por preguiça de levantar para buscar o dicionário, normalmente livrão pesado? O risco que essa facilidade traz é o de o leitor com tudo a um clique contentar-se com as generalidades postadas nas wikipedias da vida. Mas isso é outra questão.
O livro eletrônico abre uma possibilidade imensa de chegar a uma nova arte, algo entre a literatura e o cinema. Ali estarão as palavras, mas facilmente podem-se adicionar a elas imagens. Não, não digo um adicionamento puro e simples, pois pensa que coisa estranha: você faz pela primeira vez a leitura de “Grande Sertão: Veredas” e um atalho no nome Diadorim dá-lhe uma cena da minissérie que a Rede Globo fez no passado. Ora, isso nada mais é do que dar a Diadorim o rosto (um pouco sujo) da Bruna Lombardi. Nada contra a Bruna, nada contra o programa, que, se bem me lembro, era ótimo, mas um leitor livre de associações prévias fará uma leitura mais rica. Logo, a nova arte não terá nem as palavras nem as imagens como protagonistas, serão ambas peça principal em algo que há de vir. Deus queira.
Aposto que as produções científica e didática estarão, em breve, principalmente em livros eletrônicos, haja vista que as possibilidades de interação abertas por eles caem como uma pluma na escrita pedagógica ou científica. Será maravilhoso ver, em 3D e com movimento até, a estrutura de uma célula, uma sequência de DNA, os detalhes de um órgão humano, ou um gráfico com três dimensões. E, ainda, clicar nas notas de rodapé de um livro e ter o livro citado para conferir a citação ou aprender mais sobre determinado detalhe. (Não devemos esquecer que a empresa dona do Google vem digitalizando livros aos montes). Abre-se o mundo!
A literatura, por seu turno, exige reclusão, o que pode não combinar muito com o controle remoto que são os links sugeridos por um texto. Na grande rede, por exemplo, não consigo ler muita coisa. Entro num site e logo saio levado pelos links que ele indica. Isso bem pode ser coisa de homem, já que somos loucos por controles remotos, não por eles mesmos, mas por nos deixarem saltar de um canal para outro ininterruptamente — ou até encontrarmos algum jogo de futebol. Uma boa leitura não combina com esse desapego facilitado pelos links e controles remotos, disso estou seguro.
Enfim, estamos num momento de transição. No fim, o livro continuará existindo, ainda que sua indústria mude. O livro eletrônico terá um lugar garantido também. E, se tudo der certo, uma nova arte surgirá por aí. É só esperar.

7 comentários:

lucia disse...

Gostei muito da crônica! Acho tão bom virar as páginas... Mas concordo que o livro eletrônico tem o seu valor. Lúcia

No Osso disse...

Lúcia,
Virar as páginas. Sentir o cheiro do livro. Fazer anotações. Até mesmo encontrar uma melequinha esquecida no livro são coisas românticas que nós gostamos muito nos livros, não é? Pois então... por isso acho que o livro de papel continuará por aí. Ele e o eletrônico conviverão por um bom tempo.

Unknown disse...

Sábias palavras, com a inteligência e o humor de sempre. Compartilho todas as suas opiniões e inquietações, tão bem descritas no post...

No Osso disse...

Recebi um e-mail do ator Sávio Moll, que, sob autorização dele, reproduzo abaixo. Histórias do Sávio, que, sim, atua como palhaço (foi do Doutores da Alegria):

"Bem, o primeiro livro eletrônico que conheci, por incrível que pareça foi há uns 28 anos já. Eu era criança.
Ganhei de uma loja de mágico. Você abria e levava um choque!
Espero que tenha contribuído para você chegar a uma ideia mais avançada sobre o assunto!

Abraço do palhaço!

Sávio"

No Osso disse...

Ana Teresa,

Aqui nesse cantinho, eu falo e refalo, daqui a pouco desfalo. Às vezes, poucas, acerto.

Obrigado pela visita.

Heliza Faria disse...

Caríssimo Alexandre,
Sou uma internauta quase compulsiva, sou fã da tecnologia e dela me valho para acelerar o "espalhamento" das coisas. Tanto quanto, é meu amor pelo livro de papel. Não troco de jeito nenhum. Pode ser a tecnologia que for. Folhear, marcar a página, adoro.

Parabéns pela crônica.

No Osso disse...

Heliza,

Obrigado pela visita. Vejo que estamos na mesma onda. Viva a tecnologia. Viva o livro, que, com certeza, é uma evolução tecnológica que perdurará.
Beijos