Silêncio
É de dentro do silêncio — caverna sem sombra, colo extemporâneo para um homão feito eu — que escrevo agora e de onde imagino não sair tão cedo. Silêncio, com medo de se quebrar, não dá margem nem a pensamento, pequeno que seja.
O canto das cigarras faz parte do silêncio. E, no extremo silêncio, ouve-se o formigar das trabalhadeiras. Logo, concluo, o silêncio silencioso é uma invenção, mas o meu, agora, este — ah, este silêncio! — fechou as portas para o mundo, e o mundo foi fazer barulho lá longe, na p que o pariu ruidoso.
Leio o livro duplo de Nilma Lacerda. De um lado “Viver é feito à mão”, de outro, “Viver é risco em vermelho” (bela edição da Editora Positivo). Duas histórias muito parecidas e, assim mesmo, inconfundíveis. Parecidas porque as duas personagens se envolvem com a escrita, porto ao qual chegam como forma de lidar com suas dores. Distintas porque a menina da primeira história é de classe média, branca provavelmente. A da segunda, negra, vive sem pai nem mãe na favela da Maré. Os problemas da primeira estão associados à família e a toda aquela engrenagem que roda a partir da intriga de um contra o outro, do amor de um pelo outro. Os da segunda advêm da penúria — ponto além da pobreza. O arranjo gráfico do livro é tal que “Viver é feito à mão” se lê da forma habitual: à esquerda, as páginas lidas; à direita, as que devem ser lidas. Já em “Viver é risco em vermelho” ocorre o contrário, à esquerda ficam as páginas ainda não lidas. Simplificando: o primeiro se lê de frente para trás e o segundo de trás para a frente (do objeto livro, não da história). As duas narrativas confluem para as páginas centrais, nas quais o livro acaba, mas — uma vez que aquelas personagens ganham, a partir de contornos tão claros, existência —, as histórias não. Maurício Negro, responsável pelas ilustrações, talvez para evitar a dicotomia cromática sugerida pela pele das meninas — ponto importante no que se conta —, opta pelo vermelho como a cor dominante. Um acerto e tanto, pois o livro é, para resumi-lo em uma só palavra, ardente.
Para me acompanhar vida afora, se tivesse de escolher uma música, uma única, eu estava frito — à milanesa. Uma só? Isso não existe. Por natureza, gosto das que chamam ao repouso ou à reflexão e, se a hipotética escolhida convidasse à dança, seria um acaso, uma interferência no destino da música que não foi feita para dançar.
Música
Para me acompanhar vida afora, se tivesse de escolher uma música, uma única, eu estava frito — à milanesa. Uma só? Isso não existe. Por natureza, gosto das que chamam ao repouso ou à reflexão e, se a hipotética escolhida convidasse à dança, seria um acaso, uma interferência no destino da música que não foi feita para dançar.
Dito isso, elejo “Clube da esquina”, parceria do Milton com os irmãos Márcio e Lô Borges, como a música que tenho levado pela vida. Ouvi-la me remete ao período no qual fui deixando de ser menino para me tornar esse homão capenga que sou. Sua letra é noturna e esperançosa, duas grandezas que não se somam, dois touros bravos mantidos apartados em seus domínios.
Eu e Bia fomos ver a lua na Praia Vermelha. Lá encontramos o poeta e sua Cristina. Ficamos os quatro conversando amenidades, vendo e fotografando a lua — aqui e ali nos espantávamos mais uma vez com a sua beleza e então, como se quiséssemos não cair no golpe de seu encanto, voltávamos à conversa miúda, a um comentário sobre o frio ou a vida de nossos filhos. Se havia poesia ali, éramos nós essa poesia — não estávamos na condição de escritores, mas de escriaturas.
Não sei se, de volta a casa, o poeta escreveu para aquela lua. Eu não, a lua não é para o meu bico de escritor, além do mais, já existe o “Moon do cão”, poema de meu amigo Antonio Barreto (no livro Vastafala), vindo ao mundo sabe-se lá sob qual feitiço. Fiquem com ele, enquanto eu caço por aí alguma musa menos luminosa.
A lua
Foto do autor. Lua na Praia Vermelha, Urca, RJ. |
Não sei se, de volta a casa, o poeta escreveu para aquela lua. Eu não, a lua não é para o meu bico de escritor, além do mais, já existe o “Moon do cão”, poema de meu amigo Antonio Barreto (no livro Vastafala), vindo ao mundo sabe-se lá sob qual feitiço. Fiquem com ele, enquanto eu caço por aí alguma musa menos luminosa.
Lua, deixa de ser assim tão branca
e egoísta!
Que vida besta esta tua:
aí parada entre tantas coisas
inúteis
satélites, estrelas, naves noturnas:
tanajuras de verão!
Lua capitalista! Uivo branco de Deus!
Urubu do Além!
Desça daí... Vem morar comigo, vem,
que te dou um Sonrisal e um Cadillac
em troca de um soneto de Olavo Bilac!
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