10.6.19

O que é então, moço?

Sonhava com uma fazenda, um pedaço de terra onde pudesse plantar umas poucas frutas e legumes. Para comer de quando em quando pamonha e curau, uma plantação igualmente modesta de milho. A felicidade, que nunca é plena e permanente, pousa de leve num mundo assim, ou assim com o acréscimo de um cavalo cujo nome poderia ser Equinócio, uma graça tola, mas, ora, as graças tolas eram a própria razão de seus devaneios.

Uma queda d’água. Árvores generosas em sombra. Galinhas poedeiras e um galo bom de bico. Um rádio de pilha e seus programas da hora da alvorada. Botinas e sela penduradas numa parede escanteada. Durante as noites, um gambá e um morcego disputando o forro da casa. Isso tudo já como excesso.

O futuro imaginado é um passado já vivido nas terras da avó, onde cavalgava um tal Segredo. Só falta ser sem luz, sem água quente, com mugido de vacas leiteiras antes mesmo do bom-dia do rádio.

Algo está errado. Esse sonhador preza a multiplicidade urbana, caótica e perigosa. De onde veio essa maldita nostalgia? (Nostalgia não; outra coisa: ilusão.) Melhor perguntar a ele.

O que há contigo, moço?

Um amor que chega ao fim? Sim, um amor nesse ponto.

Um retrocesso político? Sim, esse que se vê.

Pessimismo com o futuro do universo? Sim, a natureza não vai dar conta.

Nós, leitores de Paulo Mendes Campos, não sabemos que o amor sempre está a ponto de acabar? Quando é que a política não nos cobra atenção? Quando é que não destruímos a natureza?

Hein, moço?

Os quase sessenta anos já pesam? Sim, esse peso.

Os filhos feitos? Sim, a independência deles.

A falta de grana? Nem me diga.

Ora, antes chegar aos sessenta do que não. Que bom que os filhos vão à luta. A grana vem e vai, pense nos seus pais, pense nos amigos.

O que é então, moço? Vamos, me responda, pois eu também ando fugindo da realidade, se não sonho com a vida rural, sonho com Marte, com outra galáxia. O que está acontecendo? Não pensamos mais em mudar o mundo?


Bansky.

2 comentários:

Unknown disse...

Lindo, Alexandre!

No Osso disse...

Obrigado, mas quem será que fez o comentário? Ficou registrado como "anônimo".