31.7.22

Semana do escritor

                                                                           Dia 25 de julho é o Dia Nacional do Escritor

 (celebro todos, mas não poupo nenhum, a começar por mim)

 

Dois escritores se encontram num bar. Se encontram por acaso, jamais se fariam companhia, pois se odeiam. Um finge que não vê o outro, numa reciprocidade comovente. O que chegou primeiro chama o garçom e, em tom de quem quer ser ouvido por todos, particularmente por aquele, pede uma caipirinha à Quixote. O outro ri nas entranhas, discreto, onde já se viu tamanha estupidez. O drinque chega e é reluzente, incrivelmente bonito. O primeiro escritor dá um gole, e o segundo sente uma pontada que não consegue localizar bem onde é. Ao segundo gole do escritor de fala alta e ostensiva, o que achou a tal da caipirinha à Quixote não só um péssimo nome, mas também absurdo histórico e desrespeito literário, sente mais que uma pontada. Ele começa a ver estrelas. Quanto mais o outro bebe, mais estrelas cobrem sua visão e, logo depois, não são mais estrelas, são moinhos de vento. Então o escritor que, sem beber, se embebedava, levanta-se e começa a combater os moinhos de vento. Só no outro dia, Dulcinéia, a enfermeira roliça, lhe confidencia a razão de ele estar amarrado ao leito de um hospício.

 

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— E o que você faz?

— Sou escritora.

— Jura?

— Por são Machado e santa Meireles.

— Você não é cristã, certo?

— Como assim?

— Esses santos não são da bíblia.

 

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No dia em que seu amado livrinho atingiu a marca de um milhão de exemplares vendidos, ele ficou eufórico. Bote eufórico nisso. Um milhão? Pensa no que é isso. Vende-se um livro, depois um segundo, um leitor comenta e, em seguida, vendem-se dez de uma vez. Uma livraria encomenda mil e, não demora muito, mais mil e depois mais mil e enfim cinco mil. Que loucura, um milhão. Me belisca que vou ter um troço. Ah, tremenda alegria. Alegria é pouco. Tremenda felicidade! Uma coisa dessas deveria ser desfrutada, o que faria descendo à rua e experimentando a notoriedade. Mal posou o pé na calçada, recebeu uma livrada na cabeça. Nem teve tempo de olhar de onde partia o ataque, que livro era, caíram sobre seus ombros mais dois e, no próximo segundo, outros três e quatro. Saiu correndo, enquanto novos o atingiam feito bala. Conseguiu olhar de relance a capa de um deles, e era o seu. O seu! Dobrou a esquina e, quando se achava salvo, levou uma saraivada de tiros, uma biblioteca inteira saída de uma baioneta adaptada. Disparou em fuga feito um doido. De vez em quando, olhava para trás e via que a pilha de livros só fazia crescer, logo tomando a calçada e o asfalto. No barato, eram cem mil, dez por cento de sua venda. Que diabos teria ocorrido? De repente, o ataque cessou, e ele, ao chegar esbaforido a um novo cruzamento, viu uma senhora velha, encarquilhada e encurvada, apoiando-se, com a mesma mão com que segurava uma sacola de mercado, numa bengala. Resolveu ajudá-la a atravessar a rua. Estendeu-lhe o braço. Davam passos lentos, no ritmo dela. No meio do caminho, o sinal abriu, e os carros começaram a buzinar. Foi então que a mulher olhou para ele. Olhou, desviou o olhar na direção dos automóveis. A buzina não se intimidou, tampouco ela, que, enfim, encarou seu guia.

— Você não é o autor deste livro aqui? — parou (carros em ponto morto aceleraram, buzinas blateraram, motoristas xingaram) e, com um grande esforço, tirou da sacolinha o exemplar do best-seller.

— Sim, sou eu.

Ela então, com movimento surpreendentemente rápido, levantou a bengala e acertou a testa do escritor. Motoristas e caronas aplaudiram, passantes uivaram, moradores jogaram páginas picotadas do livro pela janela. Depois, tudo perdeu a pressa. A senhorinha poderia terminar de atravessar a rua, a cidade estava salva.

 

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— Mãe?

— O que foi?

— O livro...

— O que tem ele?

— Bem, sabe, ele me deu uma vontade danada de continuar viva.

Um comentário:

Afonso Guerra-Baião disse...

Delícia de texto!