Soube não faz muito tempo de uma história ocorrida com dois
baitas escritores. Vargas Llosa, ainda jovem, foi entrevistar Borges, seu
ídolo, em Buenos Aires. O autor de “O Aleph” vivia num apartamento pequeno e
não muito bem conservado. O entrevistador, antes dos assuntos literários –
senão em vez deles –, começou a fazer perguntas sobre o apartamento, talvez
preocupado, até mesmo desapontado, afinal de contas estava diante de um
gigante. Quando o escritor peruano foi embora, Borges perguntou se teria sido um
corretor de imóvel que o visitara.
Imagem gerada por IA |
Um caso desses vai ganhando demãos de tinta ao passar de uma
pessoa a outra. Borges pode ter feito a pilhéria da visita para algum amigo,
que tratou de passar a outro já com uma camadinha maior de ironia. O fato e o
chiste teriam se perdido caso Llosa não se tornasse também um gigante. Quer
dizer, na literatura, imenso; na política, não muito distante do que foi o
próprio Borges, um fiasco.
Escutei esse caso num trecho de uma palestra que Ricardo
Piglia, outro escritor argentino, fez não sei nem onde nem por qual razão. Seja
como for, a “vítima” do disse me disse não raro guarda mágoas. Assim, suponho,
o soco que Llosa deu em Gabo – por ciúme, já que o colombiano, um grande amigo
até então, esticava os olhos para a sua esposa – pode ter tido a força adicional
de uma vingança contra Borges.
No Brasil, onde não falta pugilismo literário, há uma
historinha com cheiro de invenção e bem conhecida, cujos personagens são
diferentes, conforme a versão. Da primeira vez que a ouvi, eram Antonio Maria,
cronista e letrista, e Vinícius de Morais. Antonio Maria contou a Vinícius que,
na ponte aérea entre São Paulo e Rio, uma moça o confundiu com ele. O ainda embaixador
– Antonio Maria faleceu em 1964 e Vinícius perdeu o posto em 1969, na ditadura
– ficou curioso e disparou um “e aí?, e aí?, e aí?”. Aí, disse-lhe Maria, ele deu
corda ao papo, pediu um uísque, e a conversa engatou. Desceram no Santos
Dumont, alojaram-se no restaurante, comeram alguma coisa e tomaram mais uma
bebidinha. “E aí?, e aí?” Aí, continuou o letrista de “Manhã de carnaval”,
foram para um hotel. “E aí?, e aí?” “Aí, poetinha, você broxou.”
Vinícius, que se casaria nove vezes – salvo engano meu ou
dele – não parece ter se importado com isso. Fosse Ziraldo, a coisa fervia,
pois o incansável cartunista, escritor e jornalista nunca admitiu um fracasso
sexual. Como o autor de “Flicts” ostentava uma senhora coleção de coletes, não
duvido dele.
Embora transite entre escritores desde 1987, não tenho
grandes histórias, embora uma ou outra tenham lá sua graça. Quando organizamos
o grupo Estilingues – eu e seis amigas, depois de recusados na oficina literária
que frequentávamos, pois estávamos, segundo a direção, adiantados e
atrapalharíamos os novatos, passamos a nos encontrar em casa, vez ou outra
contratando uma pessoa para nos orientar –, resolvemos consultar o Sérgio Sant’Anna
sobre a possibilidade de nos acompanhar por uns tempos. Fui encarregado de
fazer o contato. Liguei para ele e, logo depois de ouvir sua voz, mandei um “a
gente somos um grupo”. Educadamente, recusou o convite. Eu faria o mesmo. Ou
não? Sei lá.
Me encontrei certa vez com o mesmo Sant’Anna num lançamento, e ele estava apreensivo, pois pela primeira vez ganhara um bom dinheiro com a literatura. Como a grana estava em sua conta-corrente, seu medo era que um hacker a roubasse. Tentei tranquilizá-lo, afinal não era tanto dinheiro assim, e os golpes eram mais no atacado que no varejo. Por falar em roubo cibernético, depois de um tempo sem nos vermos, eu, Horácio – hoje um retrato na parede do meu afeto – e Nelson marcamos um chope no Bar Luiz, tradicional restaurante alemão que não suportou a crise mais recente e foi fechado depois de funcionar por cento e trinta e cinco anos. Lá pelas tantas, Horácio – além de escritor e artista plástico, um pioneiro da computação no Brasil – sugeriu que roubássemos um banco. Seria, como temia Sant’Anna, uma ação limpa, uma invasão eletrônica, um assalto cibernético. Não, não fizemos isso, porém, como defende um meme já clássico, se feito, estaríamos apenas reagindo já que foram os bancos que começaram.
Nesse mesmo Bar Luiz, estávamos eu e um grupo do trabalho, amigos sem nenhuma ligação direta com a literatura, quando um homenzarrão entrou pelo bar lotado e, vendo que tínhamos uma cadeira vazia, pediu para se sentar conosco. Eu sabia quem era, os demais, não. Ele então contou que havia acabado de sair de uma reunião do PDT (cuja sede era a uma quadra dali) e precisava respirar e tomar um chope com Steinhaeger. Deu um gole, deu outro, mais um e, copos quase vazios, dirigiu-se a nós perguntando se o havíamos lido. Permaneci quieto, enquanto os outros se mexiam nas cadeiras e olhavam o vazio. Contrariado, o penetra balançou a cabeça de um lado para o outro, deu mais um gole e falou sem modéstia que era preciso que o lêssemos, seu nome era Fausto Wolff. Levantou-se e foi embora. Meus colegas me olharam um pouco atônitos, e eu afirmei que, apesar daquela mendicância messiânica, sim, deveríamos ler o escritor gaúcho.
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