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5.5.25

Tipos da cidade

Motoqueiros

Não gostam de engarrafamento. Preferem colocar a cabeça a prêmio a usar e desgastar seus capacetes. Conversam com quem vai na garupa e, se não há ninguém, falam sozinhos. Assobiam sofrências em ritmo lento, incompatível com a pressa com que costuram no trânsito. Na dor, gemem como o cano de descarga de suas máquinas.

 

Anotador do jogo do bicho

O que anota os jogos da turma lá perto de casa é um senhor encurvado. Ele arrasta o corpo como se os bichos que oferece pesassem sobre seus ombros. Fuma, fuma desesperadamente. Por estar atento ao celular, no qual registra as apostas, não olha para a frente. O porteiro do prédio em cima da loja de hortifrutigranjeiros chega religiosamente entre as seis e as seis e dezoito da manhã, quando saio para a caminhada. Os três que vivem pendurados no balcão do pé-sujo não são pontuais, ou, sei lá, jogam muitas vezes e, por isso, em vários momentos estão sentados ao lado do anotador. O senhor do jogo do bicho recebe todos do mesmo modo, encurvado, os olhos fixos na telinha. Talvez só conheça a voz de seus fregueses, se é que se pode chamá-los assim.

 

Atendente do mercado

Arriscaria a dizer que ela mora longe do trabalho. Arriscaria mais: seus filhos passam parte do dia na escola – quando não há tiroteio – e outra em casa, aos cuidados de ninguém, quer dizer, uns cuidando dos outros. Afirmaria ainda que a atendente do mercado é tranquila, quase digo feliz, mas seria exagero. Ninguém é feliz, sabemos disso. Não seria ela a exceção.

 

Seguranças

Primeiro é preciso saber se fazem parte de uma milícia, que nem sempre é uma estrutura organizada, nascida nas barbas do Poder. Os seguranças do meu bairro são, no mínimo, um bacalhau, um jeitinho que os comerciantes dão para contornar a impossibilidade – ou a má vontade – do Estado em proteger o baixo clero do capitalismo. Me desculpo pela sociologia de esquina, vou desembarcar dela, meu negócio é outro.

Um dos seguranças tem o nome daquele jogador que cai muito – além de promover bacanais, infringir os códigos ambientais na região de Angra dos Reis e ter cara de quem está debochando de nós, o que de fato está. O homônimo do boleiro não parece nem ser dos que caem – acreditam os comerciantes do bairro que ele derrube, é um zagueiro pelo qual a bola passa, o atacante, não – e, se participa de bacanais, é de algum de pouca pompa, digamos que de circunstância. Tem os olhos tristes e enfezados.

Outro tem cara do tio que não deu certo na vida. Sempre está com uma lata de refrigerante nas mãos e encara as pessoas certo de que aquele olhar é suficiente para impedir qualquer atitude suspeita: roubo, assédio, escândalo. Como disse, tem cara do tio perdido, que vive de favor na casa da mãe. Daqueles que chamaríamos num canto para lhe dar um toque assim: “Ô, velho, procure ajuda”. Tios desses costumam perder as estribeiras quando chamados à realidade.

 

Bela

Meu bairro – imagino que aconteça em todos os lugares, até mesmo em cidades nem tão grandes – viu aumentar o número de moradores de rua nos últimos tempos. A leva atual não parece ser de quem não conseguiu – ou não quis, pois esses existem – viver dentro das possibilidades disponíveis: emprego, quando há; bicos, quando se descola; família, quando se tem. Os novos estão sequestrados pelo vício. São os cracudos, zumbis que não amedrontam, mas nos causam dor, pena, sensação de impotência. O fato é que são na maioria jovens, e, sendo jovens, mesmo abatidos fisicamente, estão com a libido acesa. É aí que aparece a moça miúda, do mesmo modo chupada pela droga, mas transformada em deusa pelo infortúnio. Ela sempre troca o moço igualmente esquálido com quem anda de mãos dadas pelas calçadas, quando não pelo meio da rua.

 

Jovem poeta

Ele não sai de casa, não tolera gente. Escreve movido por nada.