Este março de 2025 tem sido agitado. Festas de aniversário, inclusive do meu caçula e da editora Patuá no Rio de Janeiro, lançamentos e encontros casuais com amigos do peito. Sem contar o carnaval. Não é sempre assim e, aliás, esse ritmo poderia ser mais intenso se meus quatro sobrinhos marcianos (é assim que se fala?) morassem no Rio, pelo menos no Brasil. Dois estão na França, um na Austrália e outro, que vai ser papai já, já, no Canadá. Eu os saúdo de longe.
Ao mesmo tempo tem sido um mês intenso de leituras, quer
dizer, de leituras de originais. Leio um livro com um conjunto de textos
curtos, que ora são crônicas, ora contos (alguns dando voz a animais, quase
fábulas, ou fábulas sem moral da história), ora ensaios, ora artigos de opinião.
Um olhar amoroso sobre o mundo do Moacyr Godoy Moreira, escritor com quem
mantive intensa troca de e-mails há um tempo, antes de nos perdermos. Fui
reencontrá-lo em fevereiro, também numa festa, a da Patuá em São Paulo.
Justamente essa leitura me fez pensar em como somos
atingidos de tantas maneiras por ela. Antes de continuar com o Moacyr, cito um
vídeo do escritor Décio Zylbersztajn, de sua série no Instagram chamada
Bibliotopia. Umberto Eco teria dito que há diferentes leitores, Décio
complementa: também diferentes leituras: a compartilhada, a releitura, a de
textos de múltiplos sentidos, muitas outras. Cita a escritora polonesa Olga
Torkaczuk, que lamenta o fato de as leituras contemporâneas serem muito ao pé
da letra, literais demais (ou, digo eu, literárias de menos). A partir disso,
me ocorre como uma frase – ou verso, no caso de um poema ou de uma letra de
música – pode ser poderosa.
Volto ao Moacyr. Um de seus personagens confessa que em “Sol
de primavera”, música de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, seus olhos se enchem de
água ao ouvir “abre as janelas do meu peito”. Acho isso bonito, quase (ou hiper)
religioso. Tenho uma coisa parecida com “eu sou o cheiro dos livros
desesperados”, de Caetano Veloso em “Reconvexo”. Aliás, essa é a música que me
tira da cadeira (obviamente depois de ter encharcado as palavras e desenferrujado
os pés) nas festas. Virou até uma marca da família.
Há algum tempo, pilotava a churrasqueira na festa de minha
filha – uma dezembrina –, e o piloto de
churrasqueira, vocês sabem, jamais passaria no teste do bafômetro. Pois bem,
quando tocou essa música, larguei espetos e picanhas quase prontas, olhei a
turma e disse: “Renata, vamos dançar?”. Renata é uma amiga de minha filha,
dessas que a gente adota na família expandida que construímos na vida. De lá
para cá, quando a música toca, ouço: “Renata, vamos dançar?”, nem é preciso que
ela esteja na festa. Quase sempre a pista enche, e nela rodopio todo serelepe.
Mas, veja bem, enquanto todos olham meus pesinhos claudicantes, meus quadris animados, minhas mãozinhas erguidas ao céu, ninguém percebe, à moda do personagem do Moacyr, meus olhos nublando ao pensar nos livros desesperados. Não são todos, mas são os meus e os de muitos amigos.