3.11.25

Uma festa de bolso

Era tempo de pandemia, e eu estava sentado na mesa do escritório — um puxadinho do quarto — quando a ideia explodiu na cabeça: Felifitá — Festa Literária de Fim de Tarde. Veio assim pronta, como quase prontos vêm alguns poemas. A ideia de uma reunião que pudesse acontecer em qualquer lugar, desde que à tarde, me foi soprada por uma musa. Não deveria dizer isso, já que foge ao assunto e é polêmico, mas muitos poemas meus nascem exatamente desse modo e, com isso, ferem de jeito a história de que literatura se faz com suor.

A Felifitá é uma festa de bolso — pode acontecer numa mesa de bar, num encontro de esquina, ao telefone, ou, tomando as palavras de Hyldon, autor de “Casinha de sapé”, “na chuva, na rua ou na fazenda”. Brinco que a inventei por estar cansado de não ser convidado para nenhuma das inúmeras espalhadas pelo país. Na minha, vou sempre, o que é e não é totalmente verdade, pois às vezes organizo o encontro, escolhendo os convidados, e depois me junto aos ouvintes.

Até hoje, fiz três ou quatro no Rio, uma em Belo Horizonte e a mais recente em Passos. As do Rio nunca foram um sarau, embora tenha havido leitura de poesias ou contos, já as mineiras foram. A de Passos, no início da segunda quinzena de outubro, aconteceu seis anos depois de minha última ida lá. A festinha, cujo nome, em processo de registro no INPI, recebi diretamente das mãos de uma das meninas de Mnemósine e Zeus, facilitou — a partir da literatura, meu esteio nesta vida — minha reaproximação com a cidade natal.

Vejam só: estar à toa, com as ideias soltas, me deu um nome. Passei a usá-lo em eventos amadores – depois que Nilma Lacerda, em resenha de “Aí onde não cabe” (editora Patuá) no site do jornal Rascunho, me chamou de amador, apoiada em Barthes, tornei-me fiel à ideia —, e eles não só têm me dado a chance de juntar amigos como também têm me ajudado a refazer afetos. Não é pouca coisa. Aliás, é um excesso. Nesse momento de puro regozijo egoico (que marcará toda a crônica, me desculpem), confesso: isso me tem feito um bem danado.

 

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No campo da criação, mas agora uma pensada e executada ao longo de muitos anos, ou seja, suada, estou com um novo livro na praça, “Os verbos estão cansados” (editora Patuá). Em dezessete contos, lido com personagens femininas (em oito), masculinas (em outros oito) e, em “A descoberta”, conto posicionado no centro do livro, com uma criança que tanto pode ser uma menina quanto um menino. Juliana Garbayo, escritora da qual muito ouviremos falar, escreveu o seguinte no prefácio:

“Ler ‘Os verbos estão cansados’ é se deixar levar por esse jogo onde cada resposta é, na verdade, o início de uma nova pergunta. E talvez seja essa a sua maior sacada: a intuição de que, enquanto houver perguntas, a narrativa continua viva”.

O trecho ilustra bem o que se passa em meus contos, gênero ao qual volto depois de oito anos (“Uns e outros mais dois ou três”, o anterior, compõe a coleção Estilingues 30, também da Patuá, e é de 2017). O livro, para quem quer conhecer o meu lado contista, está à venda no site da editora.

Aviso aos cariocas e aos que estiverem na “cidade maravilhosa, purgatório da beleza e do caos” (Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Laufer) que no dia 11 de novembro haverá lançamento (no Ernesto Bar, localizado na Lapa, ao lado da sala Cecília Meirelles), um evento no qual meu amigo João Paulo Vaz também apresentará seus novos contos, reunidos em “Os meninos” (7 Letras).

 

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A crônica toda montada no ego escorrega no final. Na última terça-feira, dia 28, em uma operação desarrazoada, as polícias do Rio de Janeiro, sob o comando do governador Cláudio Castro, deixaram um rastro de mais de cem mortos, a maior matança da história policial brasileira — superou a intervenção no Carandiru e a mais recente, também no Rio desse governador, no Jacarezinho. Não acredito de modo algum que matanças desse tipo resolvam o problema da violência — mesmo que matem só os bandidos, o que nunca acontece, pois inocentes morrem aos montes, É só um teatro com vistas a receber os aplausos daqueles que não acreditam na possibilidade da vida comum em harmonia, uns porque lucram com o caos, outros porque a violência está tão próxima deles que a confundem com a própria vida. 




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21.10.25

De bem com as novidades

Não sei quem, na nova versão de “Vale Tudo”, matou Odete Roitman. Aliás, dessa vez não assisti a nenhum capítulo da novela, mas, a julgar pelo que me disse um amigo, fiz bobagem. Por que? É o seguinte: quando o vi debruçado sobre a telinha do celular, apreciando o diálogo entre dois personagens da trama, dei-lhe uma enquadrada: “ora, o que é isso, vendo novela?” Ele então negou que a acompanhasse, pescava, isso sim, alguma coisa para ter assunto com as pessoas. Benza Deus, não tenho assunto, nem terei.

Sempre fui de virar as costas às novidades; desatento, gosto mais de livros do que da vida – embora mais da vida do que de TV. No caso das leituras, nem sempre estou lendo os lançamentos, e os que leio nunca ou quase nunca são os mais vendidos. É um desvio de caráter, bem sei.

Comecei a me preocupar com essa recusa às novidades ao saber que – segundo Derya Unutmaz, imunologista turco e professor do Laboratório Jackson de Medicina Genômica, em Connecticut –, quem viver mais dez anos, viverá mais cinquenta (isso só é espantoso para quem, hoje, tem no mínimo quarenta anos, os demais têm obrigação de viver mais sessenta). Segue daí que, se eu chegar aos setenta e quatro – meu pai morreu aos setenta e oito, minha mãe, aos oitenta e quatro, portanto a probabilidade é grande –, viverei até os cento e vinte e quatro. Preciso me ajeitar com as novidades, caso contrário serei um velho longevo insuportável, nostálgico demais, melancólico, inclusive. Se não faço nada, corro o risco de ser expulso do cômodo da excentricidade e abandonado no da chatice.

Aos oitenta estaremos com a memória comprometida, como é usual, embora fisicamente resistentes? Para o médico turco, a Inteligência Artificial é capaz de resolver qualquer problema (não só os da medicina, se bem o entendi), assim me parece óbvio que em seu prognóstico o cérebro do octogenário também se manterá jovial, funcionando muito bem. Ou seja, uma novidade, a IA, abre o caminho para a vida terrena eterna, enquanto me mantenho por fora de tanta coisa.

Não sei quem são os atuais jogadores do Botafogo – e estava inteirado do time de 2024.

Não conheço a maioria dos escritores asiáticos incensados por amigos, nem o húngaro ganhador do Nobel de literatura, moço de nome complicado.

Minha última atualização em termos de linguagem da internet foi entender o significado de “stalkear”, um trem velho até. Mas o que é LOL? E Shade?

Não danço funk. Não assobio músicas da Pablo Vitar. Não tenho Tiktok. Não corrijo meus textos usando o Chatgpt, embora não descarte a ideia. Não frequento rave – mas, você dirá, e lhe peço que me questione, mas não me acuse, isso já não era novidade no tempo em que os bois pastoreavam carneiros.

Caminho pelo “museu de grandes novidades” e olho atento objeto a objeto. A rave não está nele – ah, sim, claro. Ao contrário da morte.

A morte?

Sim, é a nova peça do museu. A escuridão, – ou o desconhecido, – ou o salto no desconhecido, – ou o fim, está para ser emoldurada num quadro e fixada na parede, uma imagem que talvez nem chegue a doer.

Não sei quem deu o tiro, mas arrisco a dizer que Odete Roitman pode ter sido a última pessoa a morrer nesse mundo que nós humanos arrancamos de Deus.


Pós-escrito: soube há pouco que a senhora Roitman não morreu (aliás, seria sua segunda morte), logo, entramos na eternidade na companhia dela. Sigamos....

6.10.25

As ruas tomadas

 

Candelária em 1984: comício das Diretas Já


Em 26 de janeiro de 1984, eu botava os pés de volta ao Brasil, entrando pelo Mato Grosso, depois de umas férias na Bolívia. No jornal, a manchete dava conta do comício gigantesco em São Paulo, marco inicial da campanha das Diretas Já – enfim sepultada, o que não impediu o campo democrático de ganhar as eleições indiretas. Seja como for, em abril daquele ano, eu estava na Candelária acompanhado de mais ou menos um milhão de pessoas. Se cada um de nós não passava de uma gotinha, juntos desaguamos num dilúvio capaz de afundar a barca de Noé.

Era criança quando houve o golpe de 1964, portanto estudei em escola sob as diretrizes dos militares, aliás, aquela em que eu fiz o ginásio – hoje ensino fundamental – foi criada por eles, o Polivalente. No interior de Minas, eu e meus colegas não éramos politizados, ou éramos para as questões locais. Sempre gostei de apoiar algum vereador, mesmo não tendo idade para votar. Apesar de um pouco alienados, à noite gostávamos de cantar, na surdina, “Para não dizer que não falei das flores”, a música do Vandré. Decerto sabíamos que alguma coisa não andava bem. De qualquer jeito, a maioria dos meus amigos daquela época hoje transita pela direita ou pela extrema-direita, talvez tenham se esquecido – ou queiram se esquecer – daquela nossa insurgência musical e o seu significado.

Ao me mudar para o Rio, em 1980, comecei a participar das assembleias e passeatas que questionavam a ditadura. Algumas vezes, mirávamos uma determinada política, como o redutor nos salários imposto por Delfim Neto com o intuito de conter a demanda. Ele assinava o decreto, e lá íamos para a rua bradar contra o arrocho (o nome dado àquela política). Noutras vezes, a luta era mais ampla e direta pelo fim da ditadura pura e simplesmente. O Rio de Janeiro sempre foi dado a protestos, cada um mais bonito que o outro. Ou foi até 2013, início da onda estranha. Lembro-me de naquele ano ter ido a um comício na Cinelândia e ser surpreendido pela ausência de partidos políticos. Ali começou a dissociação entre o povo e a política formal, o que alimentou uma figura como a do agora condenado e ex-presidente do país. Fora da política ronda o fascismo – uma velha lição que não deveria ser esquecida.

Com a morte da Marielle, a indignação nos animou de novo. Se a militância havia envelhecido, naquele momento os jovens – fundamentais para a derrubada do Collor – voltaram à cena. De qualquer forma, um pouco depois e contra o pior governo da história, não se conseguiu animar as ruas. Claro, houve a pandemia, mas essa não foi a única razão do esfriamento. O mundo estava (e está) confuso, essa é a verdade. Muita gente que questionara o PT, por conta da Lava-jato, não conseguia se posicionar. Uma parte não chegou a se juntar à extrema-direita – os bons votos em Marina Silva e Ciro Gomes e mesmo o voto nulo falam por si –, outra foi e custou a voltar (talvez ainda se sinta sem chão). Muitos continuam lá, não raro rezam para pneus e idolatram santos do pau oco tomados pelo cupim. Os mais exacerbados quebraram Brasília, uns tantos amargam uma cadeia justíssima.

Agora demos um show. A multidão no Rio de Janeiro, em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Curitiba e em muitos outros lugares fez e aconteceu. Em Copacabana, acompanhados por artistas imensos – Caetano, Chico, Gil, Paulinho da Viola, Ivan Lins, Lenine, Maria Cadu e mais alguns –, cantamos as músicas que sempre questionaram o pobre poder. Num sopro derrubamos o algoritmo e tiramos o protagonismo do mundo virtual – embora nele tenha se organizado a manifestação. Com o barulho, os políticos recuaram um pouco – a tal PEC da Blindagem, mais conhecida como da Bandidagem, foi recusada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, não indo sequer à votação no plenário. Como a questão da anistia aos golpistas de janeiro de 2023 ainda pipoca pela casa legislativa, acho que teremos de tomar as ruas de novo. Estou prontinho, com roupa de ir.

22.9.25

Um teco-teco contra as grandes torres

 


Em “A Montanha Mágica”, Thomas Mann leva o jovem Hans Castorp a uma visita ao primo, Joachim Ziemssen, internado para tratamento da tuberculose em uma clínica nos Alpes suíços, perto da cidade de Davos — hoje ponto de encontro anual dos muito ricos com representantes de governos, alguns desses nem tão ricos assim. Acontece que Castorp entra e não sai. Quer dizer, nesse momento, vencidas mais de quinhentas das oitocentas páginas, ele, que enfim também está tuberculoso, não deixou o sanatório, embora seu primo, num arroubo, o tenha feito. Castorp é descrito assim: “Não era um gênio nem um imbecil, e a razão de evitarmos para sua qualificação o termo ‘medíocre’ reside em circunstâncias que nada têm que ver com sua inteligência, e quase nada com sua personalidade singela”. O que importa é que esse romance de formação (desse, desse, sejamos sinceros, desse medíocre que passa a lutar contra a morte,) explora inúmeras dualidades. Fala-se da vida ali em cima em contraste com a lá de baixo, a do doente em contraposição à dos saudáveis. Ao conhecer os intelectuais Settembrini e Naphta, Castorp entra em contato com visões de mundo opostas, sem nenhum ponto de interseção. O primeiro, um italiano crédulo da humanidade, da ciência, do progresso (à moda europeia); o segundo, um judeu que se tornou noviço jesuíta sem, contudo, por conta da tuberculose, chegar a diácono. Entre os dois ocorrerão embates intermináveis – nas quinhentas primeiras páginas, não há notícia de que se tenham transformado em inimigos. Naphta defende que a ciência deve estar sob o jugo da religião, chegando inclusive a duvidar de que a terra não seja o centro do universo, saber esse que custou a vida de muitos cientistas. Entende a guerra como um desígnio de Deus, em contraposição ao outro, um pacifista. Eu achava que essa gente que aposta em armas, desdenha da ciência, usa a religião como estratégia de dominação era coisa do passado, mas a verdade é que, cem anos depois da publicação do romance (na década de 1920, entre as duas grandes guerras), ainda jogamos a ciência contra as cordas, apesar de tantos avanços, que nos levaram à lua, que curaram muitas doenças (a tuberculose, por exemplo), que produziram armas letais precisas – o que tanto agrada os poderosos beliscosos, quer dizer, belicosos. Um século de passadas largas e pelo jeito patinamos no mesmo gelo.

Se o mundo é assim, também não é tanto assim. Não consigo me lembrar o que me motivou nem como consegui o número, mas um dia liguei para o consultório do Guinga, que, já músico conhecido, parceiro de Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro, ainda atendia como dentista. Sei que da nossa conversa pintou um convite para assisti-lo no Jazzmania, casa de show que não existe mais. Fui, obviamente. Ao final da apresentação, conversei com ele e dei-lhe de presente um exemplar de "A palavra em construção", primeiro livro de que participei, uma coletânea de contos do grupo Estilingues. O Guinga é a simpatia em pessoa. Corta. Alguns anos depois, vou a um show dele com o Hermeto Pascoal. Quem não foi, morra de inveja e imagine a beleza daquele encontro. Terminado o espetáculo fui eu puxar prosa com o Guinga de novo. Ele então me perguntou se eu tinha sacado o que acontecera ali. Do que ele estava falando? Hermeto, com seus improvisos, tentara derrubá-lo o tempo todo. O ex-dentista não estava chateado, ao contrário, estava radiante por ter enfrentado o desafio proposto por um gênio. Hermeto, Hermeto, você me ofereceu os melhores shows a que já assisti em minha vida. 

Escrevo uma crônica da falta de assunto; pior, sem direção. Não vou me desculpar com o leitor, já que, tendo chegado até aqui, não se contentará com um simples “errei, perdoa, vai”. Como tempo é valor, ou tento corrigir a derrapada ou esclareço o real motivo de estar tão disperso, embriagado até. Opto pela segunda. Sabe o que é, não quero carnavalizar minha alegria vingativa, pois acho horrível esse sentimento. Todavia, é com ela que tenho convivido desde o último 11 de setembro, quando as torres dos candidatos a ditador vieram abaixo, abalroadas pelo teco-teco da justiça. 

7.9.25

Antimusical

 


Ouço menos música, constatação que me entristece, pois sempre fui um ouvinte dedicado, tentei até tocar um violãozinho, no que, para sorte do mundo, fracassei. Nos festejos familiares, tive os primeiros contatos com as modas de viola cantadas por meus pais, primos e amigos. Depois, veio a trilha dos meus irmãos com as românticas italianas, sucesso nos anos de 1960, os Beatles (e o iê-iê-iê tão nosso) e o garoto Chico Buarque, xodó das meninas. Andando com as próprias pernas, conheci o rock, fazendo de Pink Floyd e Queen meus preferidos.

Houve um dia, porém, que chegou lá em casa o "Milagre dos Peixes ao vivo", de Milton Nascimento, e sua audição não só transformou o moleque que eu era como também abriu-me as portas para a MPB. E tome os clássicos (Noel, Pixinguinha Dorival Caymmi e Bossa Nova), a geração de 1960 (Chico, Caetano, Gil, Betânia, Gal, Paulinho da Viola, Tom Zé, Sueli Costa), a que veio em seguida (Sérgio Sampaio, Rita Lee, João Bosco, Joyce, Secos e Molhados) e a posterior (os independentes, como Rumo, Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé). Não fui um grande fã do rock dos anos 1980, ainda que escutasse Marina, Cazuza e Titãs. Por outro lado, mergulhei em Cartola e toda a dinastia do samba.

A música instrumental tomou seu lugar não sei bem como (as orquestrações do disco ao vivo do Milton ajudaram), mas certa hora Egberto Gismonti me tirou do chão. No rastro dele, vieram o pessoal do samba-jazz e, orientado pelo avô de meus filhos, o próprio jazz, em particular seus ídolos Chet Baker e Modern Jazz Quartet. Comecei a escrever ouvindo música, em especial a instrumental, mas não somente. As palavras de um Cacaso, de um Fausto Nilo ou de um Vinícius de Moraes não atrapalhavam as que eu, catando milho, escrevia na antiga máquina de datilografar —— primeiro manual, depois elétrica —— e, mais tarde, no computador.

Tudo isso ficou para trás. Não, tenho de me corrigir. Continuo adorando música, mas minha relação ficou mais complexa. Por exemplo, não consigo escrever com música, nem a mais suave das clássicas. Como passei a usar fones para fugir das reclamações sobre meu gosto musical feita pelo pessoal de casa, hoje preciso estar isolado —— no melhor momento caminhando pelo Aterro, pela Urca ou pela Lagoa. Tem acontecido de eu começar a ouvir um disco (sempre inteiro, detesto aleatoriedade ou lista) à noite e perder o sono. A música (mais que os filhos) me tira o sono. Fico excitado, repito não sei quantas vezes o disco todo ou algumas de suas partes.

Claro que, com menos dedicação, tornei-me seletivo. Digo assim para não confessar que não acompanho as novidades. O pessoal xinga ou elogia os novos cantores, diz que é tudo uma pasmaceira ou uma maravilha sem fim, e eu desconheço o objeto do ódio ou do amor. Quer dizer, de quem falam, eu sei, todos ocupam a mídia, mas estou por fora do que tocam ou cantam. De todo jeito, alguns chegam a mim quer porque minha filha ou meu caçula dizem que tenho de ouvir fulano, quer porque uma revista elogia beltrana de tal. Procuro escutar e gosto de uns, de outros, não. Os que gosto, como Alice Passos, Luedji Luna e os não tão novos assim, Márcio Faraco e Emicida, incluo na trilha sonora de minha insônia (ou das passadas fortes sob o sol) na qual já estão Sivuca, Miles Davies, Titane, Lula Queiroga, Pat Metheny, Mônica Salmaso, Deep Purple, Zeca Pagodinho, Fátima Guedes, Vitor Ramil, Marianne Faithfull, Keith Jarret, Nina Simone, Led Zeppelin, Joaquin Sabina, Novos Baianos, Leonard Cohen, Elizeth Cardoso. Sem esquecer Chopin e Satie. Sem esquecer... ah, lista inumerável!

Preocupado com a minha disposição no dia futuro, me policio nas madrugadas e lá pelas tantas tiro o fone do ouvido. Tento dormir, o que não acontece de imediato, é preciso um tempo até que ocorra o desmame do vício.