22.3.25

Março dançante

 Este março de 2025 tem sido agitado. Festas de aniversário, inclusive do meu caçula e da editora Patuá no Rio de Janeiro, lançamentos e encontros casuais com amigos do peito. Sem contar o carnaval. Não é sempre assim e, aliás, esse ritmo poderia ser mais intenso se meus quatro sobrinhos marcianos (é assim que se fala?) morassem no Rio, pelo menos no Brasil. Dois estão na França, um na Austrália e outro, que vai ser papai já, já, no Canadá. Eu os saúdo de longe.

Ao mesmo tempo tem sido um mês intenso de leituras, quer dizer, de leituras de originais. Leio um livro com um conjunto de textos curtos, que ora são crônicas, ora contos (alguns dando voz a animais, quase fábulas, ou fábulas sem moral da história), ora ensaios, ora artigos de opinião. Um olhar amoroso sobre o mundo do Moacyr Godoy Moreira, escritor com quem mantive intensa troca de e-mails há um tempo, antes de nos perdermos. Fui reencontrá-lo em fevereiro, também numa festa, a da Patuá em São Paulo.

Justamente essa leitura me fez pensar em como somos atingidos de tantas maneiras por ela. Antes de continuar com o Moacyr, cito um vídeo do escritor Décio Zylbersztajn, de sua série no Instagram chamada Bibliotopia. Umberto Eco teria dito que há diferentes leitores, Décio complementa: também diferentes leituras: a compartilhada, a releitura, a de textos de múltiplos sentidos, muitas outras. Cita a escritora polonesa Olga Torkaczuk, que lamenta o fato de as leituras contemporâneas serem muito ao pé da letra, literais demais (ou, digo eu, literárias de menos). A partir disso, me ocorre como uma frase – ou verso, no caso de um poema ou de uma letra de música – pode ser poderosa.

Volto ao Moacyr. Um de seus personagens confessa que em “Sol de primavera”, música de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, seus olhos se enchem de água ao ouvir “abre as janelas do meu peito”. Acho isso bonito, quase (ou hiper) religioso. Tenho uma coisa parecida com “eu sou o cheiro dos livros desesperados”, de Caetano Veloso em “Reconvexo”. Aliás, essa é a música que me tira da cadeira (obviamente depois de ter encharcado as palavras e desenferrujado os pés) nas festas. Virou até uma marca da família.

Há algum tempo, pilotava a churrasqueira na festa de minha filha –  uma dezembrina –, e o piloto de churrasqueira, vocês sabem, jamais passaria no teste do bafômetro. Pois bem, quando tocou essa música, larguei espetos e picanhas quase prontas, olhei a turma e disse: “Renata, vamos dançar?”. Renata é uma amiga de minha filha, dessas que a gente adota na família expandida que construímos na vida. De lá para cá, quando a música toca, ouço: “Renata, vamos dançar?”, nem é preciso que ela esteja na festa. Quase sempre a pista enche, e nela rodopio todo serelepe.

Mas, veja bem, enquanto todos olham meus pesinhos claudicantes, meus quadris animados, minhas mãozinhas erguidas ao céu, ninguém percebe, à moda do personagem do Moacyr, meus olhos nublando ao pensar nos livros desesperados. Não são todos, mas são os meus e os de muitos amigos.

10.3.25

Oscar e escola de samba, nem ligo

 Se há duas coisas que, em graus variados, não me pegam são desfile de escola de samba (um pouco) e entrega do Oscar (bastante). Apesar disso, me vi às voltas com ambas durante os dias de Carnaval.

As escolas que gostaria de ver, Mangueira, da qual sou torcedor, e Portela reverenciando Milton Nascimento, eram as últimas a se apresentar em seus respectivos dias. Sem atraso, entrariam na avenida às duas e meia da matina. Nessa hora, meu bem, durmo o sono dos justos e o dos injustos. Com o desfile de cada escola disponível aos assinantes, bem acordado, no meio da tarde, assisti aos dois e, de quebra, ao da Beija-Flor.

A Mangueira me comoveu. Aquela bateria simulando um tiroteio, som que faz parte da paisagem de quem vive nas favelas cariocas, e depois saltando para o funk e o jongo, para, por fim, chegar ao samba tradicional, e tão próprio da Estação Primeira, foi um acontecimento. Um dos jurados – justo o que foi meu vizinho – achou por bem tirar um décimo da Verde e Rosa. Deve ter suas razões, não posso discutir, mas os outros três cravaram a nota máxima, e a “Surdo Um” (apelido carinhoso), sob o comando de Taranta Neto e Rodrigo Explosão, ficou com dez. Numa leitura política que tem marcado a escola, a comissão de frente destacou os “crias”, como são chamados os jovens da favela, ao dar a eles lugar de potência e criatividade, uma contestação à perversidade dos que os veem como problema. Bem, os jurados não gostaram, e a comissão não faturou a nota máxima.

A Portela mexeu comigo quando escolheu Milton Nascimento como tema. Isso tanto é verdade que anunciei – quer dizer, comentei com dois cupinchas – minha troca circunstancial da casaca verde e rosa pela azul e branco. Esperei por um espetáculo brilhante, porém, confesso, não captei muito o sentido do que foi para a avenida. Mas isso não deve ser problema da escola, eu é que não entendo nada de desfile. De todo jeito, ver o Bituca sentado no trono abençoado por Paulinho da Viola, Monarco, tia Surica e tantos outros já vale um Carnaval e duas missas. Sabendo ainda que um dos carnavalescos é filho de um amigo meu, botafoguense ainda por cima, todo o meu envolvimento com essa invasão “mineira” só fez crescer.

A Beija-Flor, odiada por tantos – talvez por ser, junto da Imperatriz Leopoldinense, a que mais ameaça o domínio da Mangueira e da Portela –, com um samba-enredo fácil de aprender, sustentou a beleza das fantasias, a alegria dos integrantes, a emoção da despedida de Neguinho da Beija-Flor como puxador de samba e, o mais importante, a homenagem a um personagem da escola, o Laíla. Campeã sem contestação. Opa, eu não contesto, mas, entre as próprias escolas, há insatisfação e acusação de falcatrua. Isso é lá com eles, meu samba é no pé. Me corrijo, no sofá, vendo o desfile gravado.

O Oscar assisti ao vivo e inteiro. A tradução simultânea funcionou bem, e isso facilita a vida de um monoglota. De todo modo, com boa ou má tradução, a cerimônia é chata. Alguns momentos são bonitos – destaco o discurso pé na porta dos diretores (Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal, uns palestinos, outros judeus) de “No Other Land”, vencedor de melhor documentário –, mas as piadas são pífias, quando não equivocadas. Ao dizer que sua mulher achou uma boa ideia o marido sumir, como no filme brasileiro, o apresentador se mostrou tão desconectado de “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, que deveria, um pouco depois – aconselhado ou pressionado pelos produtores da festa –, pedir desculpas. (E eles lá pedem desculpas?) Enfim, o brasileiro ganhou merecidamente como o melhor estrangeiro e temos de comemorar e esperar – sem muito otimismo – que isso se traduza em mais recursos para o cinema nacional. Só para lembrar: em Berlim, "O Último Azul", do pernambucano Gabriel Mascaro, levou o Urso de Prata, o Grande Prêmio do Júri.

O ganhador do Oscar, “Anora”, de Sean S. Baker, é uma salada de frutas. Começa com uma pegada “Mil tons de cinza”, passa por uma comédia pastelão e, a meu ver, salvando-se de um vexame, tem um final no mínimo sóbrio – amiga minha o viu como um desfecho machista; entendo, mas não concordo. O Carnaval deu o tratamento que o filme merece, parodiando uma clássica marchinha, que agora é assim:

 

"Se você fosse sincera, oh, oh, oh, Anora

Devolvia o nosso Oscar, oh, oh, oh, agora.”

 

Mário Lago, autor da música, lá do infinito, ergueu um brinde. Fernanda Torres, atriz de ponta e figura simpática e engraçada, deve cantar a versão no escondidinho de seus quartos de hotel, onde tem vivido os últimos meses.

24.2.25

Enfim, o verão

 O tão esperado verão chegou.

Tiramos da gaveta a roupa de praia, o protetor solar, a sede de cerveja, caipirinha e pilantragem e vamos tratar de desfrutar dessa deliciosa estação.

Encontrei minha amiga Solange e, mal falei seu nome, ela me interrompeu, não se chama mais Solange, está brigada com o sol. É agora Ange, mas prefere ser chamada de Anja. O que te aconteceu, menina? Ela resolveu, no calor do meio-dia, refrescar-se nas águas do mar. Três horas depois, voltou para casa cheia de hematomas, como se houvesse levado uma surra. Vai entrar em demanda contra a prefeitura por não instalar ar-condicionado naquelas areias escaldantes. Revoltou-se quando tentei lhe explicar que isso seria impossível e me mandou ver o que fazem os árabes no Catar. Não sei o que fazem, e ela tampouco esclareceu. Fechou a cara e me deixou a ver navios. Aliás, navios lotados, em debandada do inferno.

Mas isso é pouco diante do ocorrido com um casal amigo. Começaram a se beijar, a se tocar, a se querer com toda a luxúria do desejo, reforçada por uma segunda intenção talvez até mais forte: ficarem nus para amenizar o calor. Não funcionou. Resolveram então sacar a pele. Nem assim. Se desfizeram das carnes, preservando, no início, o coração. Mas como dele também emanava um outro tipo de calor, o dispensaram igualmente. Esqueléticos, sem suas formas de mútua atração, não se diferenciavam um do outro. Assim, não chegaram aos finalmentes, convencidos de que seria ou masturbação, o que não condizia com a idade, ou necrofilia, o que apontaria uma psicopatia grave.

Vi com meus olhos umedecidos – não de lágrimas, mas de suor – um jovem derreter-se. Caminhávamos pela Atlântica, ele indo pro Leme, eu, por motivos que não vêm ao caso, fugindo de lá. À medida que nos aproximávamos, ele se liquefazia e começava a evaporar. Quando cruzamos um com o outro, só lhe restava de concreto o pensamento. Um pensamento, aliás, em alto e bom som. Não reclamava do calor, mas desses tempos em que nem podia mais ser machista em paz.

Diante de tanta bizarrice, pensei em salvar o mundo. Nosso presidente poderia convidar o homem-laranja para desfrutar de um verão tropical. O convite seria politicamente incorreto – oferecendo ao visitante mulatas, escravos para transportá-lo em liteiras, índios capazes de dar, em troca de espelhos, caça, ouro, mulheres –, impossível de ser recusado por tipo desprezível como o convidado. Logo que chegasse ao paraíso, correria para a praia e, em um segundo, iria de laranja a vermelho, de vermelho a roxo, de roxo a esturricado, de esturricado a, como diriam os jornais do dia seguinte, uma coisa parecida a uma lenha sendo levada pelas ondas frias de Copacabana.

Não posso me perder em fantasias, então volto a pensar com serenidade nas delícias do verão. Nas palavras do Foguinho Inimigo, meu colega de copo, bons tempos eram aqueles em que o calor carioca, em seus piores momentos, se assemelhava ao do Saara. Agora, quando fazem essa comparação, é porque deu uma refrescada, bateu um vento. Estou pronto para discordar, quando Ian, nosso estimado garçom, deixa a cerveja na mesa depois de encher nossos copos. Pô, menino, essa tá quente. Impossível, ele rebate, ela saiu da geladeira vestida de noiva, a ponto de congelar. Três passos entre o freezer e a mesa transformaram o vinho em água vulcânica. O Anticristo está solto.

Ah, como é bom o verão! Que assim continue.

Derrubemos florestas.

Tiremos petróleo da foz da bacia do Amazonas.

Ergamos edifícios.

10.2.25

Finícios

Não, meu leitor, não quis escrever fenícios, de quem quase nada saberia falar. Inventei uma palavrinha (não o alfabeto), se é que inventei, haja vista que não há muita criatividade em juntar o fim e o início.

Essa pequena pérola de gosto duvidoso me ocorreu ao me dar conta de que ainda em janeiro já havia perdido um primo, visto a padaria que frequentei por vinte e oito anos ser fechada e, como se não bastasse, assistido ao Trump voltar à presidência dos EUA, agora mais poderoso e sem a preocupação de esconder seus pendores autoritários, fascistas.

Meu primo está morto. Ele – preciso contar a vocês, por favor, escutem, mesmo sem interesse – nasceu em São Paulo e jovenzinho começou a passar férias na minha cidade natal. Nos tornamos amigos. Eu o invejava não só por ele ser bonito, mas por também ser desembaraçado. Uma vez, fomos tomar um ônibus e, mal chegamos à rodoviária, ele já conversava com uma menina e, mais que isso, dava uma mordida na maçã que ela comia. Seriam Adão e Eva não fosse a minha presença nem um pouco divina, mas cerceadora. Esse dom o levou a trabalhar com turismo e viver na Bahia, onde se deu nosso último encontro, em 2016. Me ocorre outra lembrança: no final dos anos de 1970, andávamos pela avenida do Contorno, em Belo Horizonte, e discutíamos como seriam os fogões do ano 2000. Não guardo ideia de como chegamos a esse assunto e me pergunto por que não apaguei tamanha insignificância da memória. Um palpite: o afeto é alimentado de miudezas, de verdadeiras bobagens. 

Devo confessar que a padaria não era de excelência. Estava mais para inconstante. No dia que acertava a mão, produzia um francês de me fazer esquecer o da padaria do Neném, a da minha infância. Mas não raro a receita desandava. Acontece. Seja como for, quando uma empresa fecha, histórias tristes se insinuam. Pode ser que o dono não tenha resistido à concorrência. Pode ser que a família em conflito tenha renunciado ao negócio para não cultivar a rixa entre os herdeiros. Certo, certo mesmo, é que um fato desses aumenta a fila do desemprego. Alguns talvez logo se ajeitem, outros, não. No caso da padaria, o que será da moça da chapa, faladeira e simpática? Do moço do café e do suco de laranja, mestre em infernizar a vida da chapeira? Do Russo? O Russo, por onde ele anda? Já não estava na padaria havia tempo. Por que não perguntei por ele? Quando uma padaria é fechada, nos descobrimos menos atentos do que imaginamos ou piores do que parecemos ser.

Quanto ao Trump, bem, ele em si já é ruim – figura grotesca, de ideias torpes etc. –, mas pior ainda é que ele abre espaço para os seus iguais ou seguidores mundo afora. Digo uma verdade, palavra de sábio, praticamente de um fenício inventando o alfabeto: a civilização não evolui, os boçais, que ocupam os poderes, não deixam.

Ah, ia me esquecendo. Ainda em janeiro perdi minha paciência. Quer dizer, minha paciência com o verão.

27.1.25

Atores

Nas relações pessoais, namoro, por exemplo, não é raro um dizer que chegou ao limite, que não tem um minuto de paz. É um exagero, quem não tem um minuto de paz é a população de Gaza, os favelados desse Brasil imenso, também os de nossos países vizinhos, africanos de todos os quadrantes, ucranianos, sírios, bem, a lista é grande. Somos superlativos ao expressar nossas pequenas falências e, do mesmo modo, as alegrias miúdas. Sou a pessoa mais feliz do mundo, comi o melhor pão de queijo do universo. Enfim, as palavras nos servem para nos levar além de nós.

Ney Latorraca, em entrevista à Bruna Lombardi – se não estou enganado –, respondeu que não era bom de cama, mas de texto, sim. Uma namorada, naquela altura vivendo em Portugal, de vez em quando ligava para ele e dizia: fala, Ney, fala aquelas coisas, fala. Já o Ney Matogrosso, ao se aproximar dos cinquentas anos, respondeu a um repórter que sua vida sexual estava morna, que tinha muita preguiça de tirar a roupa. Nossos dois Neys mentiam? Isso não faz a menor diferença. Somos, eis a verdade, personagens de nós mesmos.

Lá em Passos, na minha infância... Passos é a minha infância. E parte da adolescência. Passos é a minha vida, mas isso não interessa agora. Enfim, lá havia um garoto, Tiãozinho, goleiro nato e frangueiro. Se o elogiávamos – bravo, Tião! – por agarrar uma bola, ele se atirava no campo. Esclareço. Alguém dava um chutão e Tiãozinho encaixava a bola sem precisar fazer movimento nenhum, um petardo direcionado aos seus braços. Era nessa hora que, aplaudido, ele pulava no chão. Grande Tiãozinho, ator de um único papel, mas ouso dizer, do quilate do Selton Mello, nosso conterrâneo.

Por falar no Selton, a família dele é de artistas. Seu tio, Silas, fez muitas peças com o histórico grupo Alfa, uma turma que não só atuava, como também escrevia boas peças sobre a “Ardeia”. Além do mais, muitos eram (alguns ainda são) professores, logo influenciaram um bando de garotos, eu entre eles. Me lembro do badalado diretor Gabriel Vilela, nascido no Carmo do Rio Claro, cidade vizinha a Passos, dizer que sua paixão pelo teatro teve início ou foi reforçada ao ver nosso maior ator, Gustavo Lemos, o Gugu, atuar em “O Inspetor Geral” (Gogol), dirigido pelo Reinaldo Fonseca, um dos que alimentaram minha cabecinha com migalhas da arte. Outro tio do Selton, Stanley (a letra “S” foi patenteada pela família, só faltou serem Silva), vestia-se de palhaço durante o Carnaval e era a alegria da garotada, mas não só dela. Stanley, a quem eu procurava para uma conversa logo que chegava à cidade, era exímio imitador. Uma de suas melhores imitações era a de um primo de mamãe, Dirceu, que, não sei bem por que, tinha uma voz rouca, provavelmente consequência de alguma cirurgia. Dona Haydée adorava esse primo e, quando visitada por ele, preparava um prato especial, sempre o mesmo. Meu pai morria por aquela comida que só dava o ar de sua graça naquela ocasião rara. O que ele fazia para contornar o problema? Pedia ao Stanley que passasse um trote em minha mãe imitando o primo e marcando um almoço para o dia seguinte. Mesa posta, papai lambia os beiços, enquanto mamãe cultivava uma raiva pelo bolo recebido. Raiva passageira, no outro dia já tinha se esquecido de tudo, rindo da molecagem do marido e do Stanley.

Tínhamos um vizinho que trabalhava numa loja de eletrodomésticos e, um dia, ao chegar para almoçar, me viu, distraído e assobiando – eu era de assobios –, sentado na escada de minha casa. Aproximou-se e perguntou se não compraríamos uma TV para torcer pela seleção canarinho na Copa de 1970 que estava por acontecer. Olhei bem para ele e disse que sim, inclusive minha mãe havia me pedido para passar na loja e resolver esse assunto. Um parêntese: eu tinha oito anos. Ele não se importou com minha idade, anotou a encomenda e mandou entregar, no final da tarde, uma enorme Telefunken valvulada. Minha mãe não se fez de rogada e nem se chateou com a atitude de um pirralho e de um vendedor sem vergonha, instalou a danada e, bem, a vida a partir daí foi novela, futebol, a Copa, a grande Copa, um punhado de campeonatos que acompanhei, programas de auditório, o básico dos poucos canais existentes. No início, ao assistir às novelas, eu pensava que, enquanto acompanhava a vida de umas pessoas, elas acompanhavam a minha. Todos estávamos atuando – ou, ao contrário, todos estávamos ali, na real. Acho que a tecnologia de hoje nos levou a esse ponto.