4.10.05

Dorival Caymmi é




Não sou!
Tentei; mal provido das penugens de um bigode eu era ainda. Din-don, din-don. Meu violão entre o som metálico e a falta de ritmo. Din-don no samba. Din-don na valsa. Din-don em tudo.
Sofrível violeiro, nem por isso deixei de ganhar aqui e ali umas moças. Surdinhas que se encantavam com meu din-don ou aquelas que amam por pena. Porque existem mulheres assim, e homens também, que amam o esfarrapado, o inseguro, o feio. Pé torto para sapato furado, o ditado cheira a isso e deve ser outro, não sou bom de memória. Nem de música: don-din.

Se me perguntassem na lata o músico que eu gostaria de ser, não titubeava e riscava o nome de Dorival Caymmi. Não seria outro. Talvez um Chico para impressionar. Um Paulinho da Viola para ficar impressionado comigo mesmo.
Inteiro, de sol a sol, sustenido e bemol, repito: seria Caymmi, o marido de Stela e pai de três filhos, dos quais já ouvi dizer: bons como o pai. Acrescento, em tom de advertência, quase tão.
Baiano preguiçoso, buliçoso, praieiro, bom de bico, fotogênico, dono de voz ao mesmo tempo cavernosa e suave, além de um trejeito no seis cordas de tirar o chapéu, a roupa, a pele, os ossos. Tanta coisa não é para qualquer um.
Dorival é o Machado de Assis da música. Não só porque todos os demais músicos beijam sua mão em pedido de benção. Mas porque ambos têm cadência parecida, tamborilam uma ironia aqui, carregam numa tragédia ali, riem do mundo, são insinuantes, sensuais e de uma simplicidade só alcançada pelos grandes.
Por sorte, não sou. A sombra de Dorival ofuscou meu bafo de vontade de ser músico, e desisti. Perdi as meninas ruizinhas de ouvido ou bondosas de alma. Perdi também o hábito de passar dias inteiros só no meu canto, dedilhando din-don, din-don, din-don. Ganhou a música popular brasileira.
Me virei para a escrita, e a sombra do Bruxo não vai me inibir nem por nada nesse mundo. Em alguma coisa a gente tem de ser sem-vergonha.

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