Era tempo de pandemia, e eu estava sentado na mesa do
escritório — um puxadinho do quarto — quando a ideia explodiu na cabeça:
Felifitá — Festa Literária de Fim de Tarde. Veio assim pronta, como quase
prontos vêm alguns poemas. A ideia de uma reunião que pudesse acontecer em
qualquer lugar, desde que à tarde, me foi soprada por uma musa. Não deveria
dizer isso, já que foge ao assunto e é polêmico, mas muitos poemas meus nascem exatamente
desse modo e, com isso, ferem de jeito a história de que literatura se faz com
suor.
A Felifitá é uma festa de bolso — pode acontecer numa mesa
de bar, num encontro de esquina, ao telefone, ou, tomando as palavras de
Hyldon, autor de “Casinha de sapé”, “na chuva, na rua ou na fazenda”. Brinco
que a inventei por estar cansado de não ser convidado para nenhuma das inúmeras
espalhadas pelo país. Na minha, vou sempre, o que é e não é totalmente verdade,
pois às vezes organizo o encontro, escolhendo os convidados, e depois me junto
aos ouvintes.
Até hoje, fiz três ou quatro no Rio, uma em Belo Horizonte e
a mais recente em Passos. As do Rio nunca foram um sarau, embora tenha havido
leitura de poesias ou contos, já as mineiras foram. A de Passos, no início da
segunda quinzena de outubro, aconteceu seis anos depois de minha última ida lá.
A festinha, cujo nome, em processo de registro no INPI, recebi diretamente das
mãos de uma das meninas de Mnemósine e Zeus, facilitou — a partir da
literatura, meu esteio nesta vida — minha reaproximação com a cidade natal.
Vejam só: estar à toa, com as ideias soltas, me deu um nome.
Passei a usá-lo em eventos amadores – depois que Nilma Lacerda, em resenha de
“Aí onde não cabe” (editora Patuá) no site do jornal Rascunho, me chamou de
amador, apoiada em Barthes, tornei-me fiel à ideia —, e eles não só têm me dado
a chance de juntar amigos como também têm me ajudado a refazer afetos. Não é
pouca coisa. Aliás, é um excesso. Nesse momento de puro regozijo egoico (que
marcará toda a crônica, me desculpem), confesso: isso me tem feito um bem
danado.
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No campo da criação, mas agora uma pensada e executada ao
longo de muitos anos, ou seja, suada, estou com um novo livro na praça, “Os
verbos estão cansados” (editora Patuá). Em dezessete contos, lido com
personagens femininas (em oito), masculinas (em outros oito) e, em “A
descoberta”, conto posicionado no centro do livro, com uma criança que tanto
pode ser uma menina quanto um menino. Juliana Garbayo, escritora da qual muito
ouviremos falar, escreveu o seguinte no prefácio:
“Ler ‘Os verbos estão cansados’ é se deixar levar por esse
jogo onde cada resposta é, na verdade, o início de uma nova pergunta. E talvez
seja essa a sua maior sacada: a intuição de que, enquanto houver perguntas, a
narrativa continua viva”.
O trecho ilustra bem o que se passa em meus contos, gênero ao
qual volto depois de oito anos (“Uns e outros mais dois ou três”, o anterior,
compõe a coleção Estilingues 30, também da Patuá, e é de 2017). O livro, para
quem quer conhecer o meu lado contista, está à venda no site da editora.
Aviso aos cariocas e aos que estiverem na “cidade
maravilhosa, purgatório da beleza e do caos” (Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e
Laufer) que no dia 11 de novembro haverá lançamento (no Ernesto Bar, localizado
na Lapa, ao lado da sala Cecília Meirelles), um evento no qual meu amigo João
Paulo Vaz também apresentará seus novos contos, reunidos em “Os meninos” (7 Letras).
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A crônica toda montada no ego escorrega no final. Na última terça-feira, dia 28, em uma operação desarrazoada, as polícias do Rio de Janeiro, sob o comando do governador Cláudio Castro, deixaram um rastro de mais de cem mortos, a maior matança da história policial brasileira — superou a intervenção no Carandiru e a mais recente, também no Rio desse governador, no Jacarezinho. Não acredito de modo algum que matanças desse tipo resolvam o problema da violência — mesmo que matem só os bandidos, o que nunca acontece, pois inocentes morrem aos montes, É só um teatro com vistas a receber os aplausos daqueles que não acreditam na possibilidade da vida comum em harmonia, uns porque lucram com o caos, outros porque a violência está tão próxima deles que a confundem com a própria vida.