28.5.18

A matemática da escrita

Não tenho novidades, tenho, se for de seu interesse, uma frase que a Maria Valéria Rezende, a prima, falou numa palestra no Salão Carioca do Livro: “Eu escrevo para levar susto.” Em relação à escrita, não há postura mais radical, e eu, se um dia tiver consciência plena do ofício de escritor, ficarei feliz se disser o mesmo. Sei que me assusto com o que escrevo, talvez seja por isso que eu escreva. Maria Valéria lançou uma possibilidade, que apanho e passo a lidar com ela.



No mesmo salão, eu disse que gosto mais de ler do que de escrever porque o sofrimento de uma leitura pode ser atenuado no intervalo entre uma página e outra, por exemplo, quando deixo o livro para ir à sala fazer a refeição ou para beijar o filho que chega da rua. No caso da escrita, nunca que a gente se desvencilha da dor. Aquela história em gestação aos poucos ganha força suficiente para nos deixar à sua mercê. Não por acaso nossos olhos se perdem e nossa presença não passa de um corpo — um vulto? — na sala, no quarto. Nos tornamos um ser, por sorte, provisório. Uma hora voltamos à terra, às vezes por conta dos compromissos duros da vida, noutras por receber o beijo do filho, o carinho do companheiro, esses que convivem com nossas estranhezas.

O que disse no parágrafo anterior fez parte de uma resposta a outra questão. A mediadora da mesa sobre o livro “Nosotros – 20 contos latino-americanos” (lançado no ano passado pela editora Oito e Meio), Lucia Bettencourt, queria saber o que achávamos de escritores contemporâneos que não se mostram muito chegados à leitura, esses que escrevem, mas não leem. Hoje, não consigo entender tamanha aberração, mas meu impulso artístico veio antes da leitura. Menino ainda eu inventava versinhos; mais tarde, fazia música e letra; e escrevi meus primeiros contos sem ter lido quase nada. Portanto entendo o desejo de escrever, a vontade de se expressar, mas, caro escritor que não lê, suas braçadas não o levarão a lugar nenhum. Agora, atenção: ler não garante talento, ou seja, ler é condição necessária, mas não suficiente para ser um bom escritor. E o que é de fato suficiente, zilhões de novos escritores, os leitores ávidos desta crônica tão sábia, gostarão de saber. Ora, condição suficiente não há, mas entre as necessárias, descobri agora, está a de “escrever pra levar susto”.

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